domingo, 8 de fevereiro de 2009

O autor do texto publicado abaixo é o professor Mestre em História pela UFPE, Adilson Ishihara Brito, que paticipou no ano de 2008 do ciclo de palestra sobre a Vinda da Familia Real Portuguesa para o Brasil, dentro das comemorações promovidas pelo curso de História da Faculdade de Formação de Professores de Afogados da Ingazeira. Este texto foi por ele fornecido e versa sobre a relação entre Cultura Política e o pensamento nos fins do século XVIII, na região do Grão Pará. Boa leitura a todos e aguardamos avaliações!
Cultura política à contrapelo: apontamentos para a desterritorialização do pensamento no século XVIII.
Adilson Júnior Ishihara Brito[1]
clio051@yahoo.com.br

Resumo: Situar o pensamento político no século XVIII tem sido esforço recorrente de historiografias variadas produzidas em diversas temporalidades. Em grande parte das interpretações históricas, no entanto, persiste uma noção de cultura política territorializada unicamente nos espaços eruditos do saber e do poder, o que contribui para um conceito de “opinião pública” circunscrito aos grupos letrados que se organizavam nos espaços institucionalizados das relações sociais, principalmente no que tange à expansão dos ideais de revolução sobre o viver em colônias. A estratégia deste trabalho consiste, nesse sentido, em redimensionar essa opinião geral a partir da ampliação da esfera pública de comunicação na centúria setecentista, e, num movimento à contrapelo, traçar um quadro confiável das lógicas e comportamentos oriundos das margens da sociedade, notadamente dos lugares indígenas, mestiços e, em menor proporção, negros da província do Grão-Pará no alvorecer da jornada revolucionária na Amazônia. Isso implica trabalhar com referenciais teóricos e metodológicos que proporcionem desterritorializar e desreificar o pensamento e as práticas políticas, para se construir um espaço de investigação destinado a compreender aquela sociedade por ângulos ainda pouco estudados.
Palavras-chaves: Grão-Pará – História Política – Cultura Política Popular

Abstract: Locate the political thought in the eighteenth century has been the effort applicant historiography variety produced in different temporalities. In large part of historical interpretations, however, there remains a notion of territorial political culture only in spaces scholars of wisdom and power, which contributes to a concept of “public opinion” confined to groups that are organized literate in the spaces institutionalized relations social, especially with regard to the expansion of the ideals of the revolution live in colonies. The strategy of this work is, accordingly, in resize this general view from the expansion of the public sphere of communication in century eighteenth and, in a move to counter-hand, outlining a framework of trust and logical behavior from the margins of society, notably the places Indians, half-castes and to a lesser extent, black people in the province of the Grão-Pará in the dawn of the revolutionary journey in the Amazon. This means working with benchmarks that provide theoretical and methodological move the territory and not determine the thought and political practices, to build a space research to understand that society still little studied by angles.
Keywords: Grão-Pará – History Politics – Political Popular Culture


O princípio do ano de 1793 parece não ter sido nada fácil para as autoridades que presidiam a extensa capitania do Grão-Pará, no extremo norte do mundo colonial português. A uma distância de muitos dias da capital, Santa Maria de Belém, no longínquo rio Içá, localizado quase no limite com as possessões espanholas, soldados da patrulha volante tomavam o depoimento de um desertor da província de Quito e obtiveram informações consideradas alarmantes sobre a situação política vivenciada naquele espaço. Segundo o depoente castelhano, “os Hespanhoes andavam por aquelas partes em Armas contra os Índios que se tinham levantado com os mesmos Hespanhoes” [2], o que colocava o problema das associações revolucionárias na fronteira na ordem do dia, sobretudo pela ação dos grupos republicanos da Amazônia espanhola.
Como se não bastasse, eram fortes os indícios de que estava acontecendo algo a mais do lado de lá da fronteira, principalmente depois de saberem da “chegada de mais Tropa vinda de Quito”, dando a entender que a mobilização militar no lado espanhol tinha que ser observada com acuidade, pois “sejam quaisquer que forem as boas e amistosas disposições dos dois Soberanos, às vezes não influem e nem a regular conduta e gênio dos Hespanhoes na América” [3]. O temor maior das autoridades lusitanas era o de que as tropas espanholas se valessem do amplo espaço fronteiriço sem patrulhamento e intentassem invadir e ocupar o extremo oeste do distrito do Rio Negro, o que seria considerado um movimento lógico no tabuleiro do jogo político europeu, que parecia se encaminhar de forma mais decisiva para a construção do império francês por Napoleão Bonaparte com o apoio do estado espanhol.
A conjuntura política do último quartel do século XVIII, com efeito, estava longe da calmaria. Disso bem sabiam as autoridades da capitania, sobretudo aquelas que se encontravam destacadas para os fortins da fronteira com as possessões da Espanha na Amazônia, que tinham que lidar com as tensões deixadas pelo processo de demarcação dos limites entre as duas colônias, segundo os critérios acordados no Tratado de Madri em 1750. A deserção de soldados era uma dessas complicações, o que motivou as autoridades dos dois lados a tentarem acordar a mútua extradição desses desviantes[4], o que não era nada fácil, pois “continuamente estão sempre a fugir para lá e para cá”, por conta da “facilidade de que lhe oferece um País aberto” [5]. Indígenas de etnias variadas pareciam ainda se associarem a grupos de negros fugidos no interior da floresta, como foi o caso de uma expedição militar enviada pelo comandante do forte de Tabatinga à vila vizinha de Olivença, onde o ataque inimigo poderia vir tanto do mar com da terra, implicando em maior “vigilância de Mucambos, e Gentios, que com os Hespanhoes tem a maior comunicação, e familiaridade” [6].
Assim, se existia um perigo real de invasão espanhola sobre a Amazônia portuguesa esta não se daria, segundo a visão dos grupos dirigentes do Grão-Pará, sem o concurso da grande população indígena e, em menor proporção, negra do lado de cá da baliza territorial. Isso pressupõe, por outro lado, que em algum ponto as motivações políticas dos vizinhos espanhóis e as dos índios e negros do lado lusitano se integravam, num interstício relativamente seguro, porém, como veremos mais adiante, difícil de aceitar. Mas, qual seria essa interseção, esse sítio intervalar entre as autoridades espanholas e os indígenas do Rio Negro?

A fabricação de um território: “cultura política” e “sociedade política”.
Levantar a hipótese de que os “gentios” estariam se associando aos vizinhos castelhanos a partir de algum objetivo estritamente político representava, no plano intelectual das relações, algo muito distante da realidade para os condutores das variadas instâncias do poder colocadas sobre o espaço da província, e, poderíamos afirmar, de todo o território colonial português. Isso porque os referenciais mais importantes sobre as faculdades do pensamento e da reflexão, assim como sobre a organização dos corpos político e social, estavam circunscritos ao que os grupos intelectualizados do século XVIII nomeavam de “sociedade política”. Por essa categoria, poderiam se auto-representar dentro de uma sociedade que somente poderia ser compreendida a partir dos crivos fundamentais de uma Civilização: a “Cultura” e a “Política” [7].
Essas noções estavam completamente condizentes com as novas necessidades geradas pelos traços constitutivos das “luzes do século”, isto é, do clima intelectual circunscrito à Ilustração. Razão, ciência, letramento representavam, para os que estavam inseridos no âmbito institucional das relações sociais, sintomas de um tempo simultâneo de transformação e crise com o qual o Estado português não poderia negligenciar para sobreviver[8]. Desenvolver esses aspectos racionais significava, ainda, o melhoramento das engrenagens do governo no âmbito da administração colonial, ao mesmo tempo em que se propunha a fabricação de uma imagem mais sólida para a monarquia que fosse sintonizada com os conhecimentos filosóficos que fundavam uma Civilização, aquela sob a influência da Enciclopédie e do pensamento fisiocrático britânico, diferenciando-a do passado, sem, no entanto, abrir mão dos fundamentos reguladores do Antigo Regime, como o poder decisório único do Rei e a organização estamental de sociedade[9].
Essas novas posturas diante do mundo do Governo, iniciadas em Portugal pela gestão de Sebastião José de Carvalho e Melo, o Marquês de Pombal (1750-1777), também se inserem num contexto de crise nas relações coloniais fin-de-siècle, principalmente se considerarmos as variadas contestações à política econômica da metrópole e a irrupção de sedições políticas em diversos pontos da América Portuguesa, inclusive na Amazônia. O governo de Francisco Xavier de Mendonça Furtado (1751-1759), irmão do ministro plenipotenciário de D. José I, teve um papel preponderante na política lusitana para o Estado do Grão-Pará e Maranhão, na medida em que serviu de lastro para dinamizar a economia da região e consolidar as demarcações territoriais a leste para estabelecer limites mais precisos nas relações com os domínios espanhóis. A fundação da capitania de São José do Rio Negro, em 3 março de 1755, teve essa dupla função, interligadas à afirmação de um modo de governar mais eficiente e calcado na ciência administrativa, oriunda, sobretudo, da intelectualidade formada na Universidade de Coimbra, centro de produção dos saberes ilustrados sob a chancela do Estado pombalino[10].
Mesmo com a “viradeira” política do reinado de D. Maria I e a tentativa de deslocamento do referencial de produção intelectual das políticas estatais no reino para a Academia Real das Ciências de Lisboa, fundada em 31 de dezembro de 1779, o desenvolvimento de uma administração ilustrada segundo as práticas da eficiência burocrática, do cientificismo e do pragmatismo continuariam sendo o mote pelo qual o Estado deveria se modernizar. Passou a ficar patente a necessidade de selecionar os melhores quadros intelectuais para compor os cargos decisórios no âmbito do Império português, como aconteceu com o abade José Correia da Serra, respeitado naturalista que coordenou a ação científica utilitária durante o reinado mariano e, principalmente, D. Rodrigo de Souza Coutinho, que embora tivesse sido formado no Colégio dos Nobres, fundado por Pombal para a criação de uma nobreza “virtuosa” no reino, passou a ser um dos homens fortes nas questões políticas gerais da administração interna e colonial do Estado[11].
O mundo do Governo de Portugal não poderia abrir mão dos atributos intelectuais de seus dirigentes, notadamente em relação à administração do que era considerada a maior e mais importante possessão colonial, a americana, entrevista pelo pensamento ilustrado de D. Rodrigo de Souza Coutinho como o pilar da Regeneração do Império, já que “Portugal não é a melhor parte da monarquia, nem a mais essencial” [12]. Implementar um projeto de ampla reforma nos negócios do Brasil requeria a construção de um território para a política e a para o pensamento, o que significava formar uma noção de Cultura Política circunscrita ao campo erudito das relações que, numa via de mão dupla, tinha que estar atada aos objetivos do Estado. Esse lugar foi fabricado gradativamente nas províncias, de acordo com as exigências das “luzes do século” situadas em Lisboa, no palácio de Queluz.
A esteira do Progresso não poderia prescindir dos atributos da Cultura e da Civilização que os quadros administrativos do mundo luso-brasileiro tinham que possuir. O conde de Linhares parecia ter completa consciência disso, pois logo passou a erigir o corpo do Estado a partir da nomeação dos eruditos residentes na América para diversas capitanias. Entre 1795 e 1798, essa medida surtiu seu primeiro efeito, com a apresentação ao Conselho de Estado de uma política geral para o Império, em que se ressaltava a importância dos domínios americanos que eram considerados por D. Rodrigo como a potência do mundo luso-brasileiro em expansão, que acabariam posteriormente na defesa de uma monarquia dual como solução para os problemas políticos e econômicos portugueses. Nada disso seria possível, no entanto, sem o concurso da “boa sociedade” americana.
Para a Amazônia, as nomeações de D. Francisco de Souza Coutinho (1790-1803) - irmão do conde de Linhares - e de seu sucessor, D. Marcos de Noronha e Brito, o conde dos Arcos (1803-1806), representaram o princípio de amplas reformas que visavam combater o isolamento regional e as sucessivas balanças deficitárias, parte integrante do projeto pragmático de racionalização administrativa no extremo norte do Brasil. A modernização da rede de correios, o maior investimento na construção de embarcações para a navegação e a instalação de registros militares ao longo dos principais rios para a segurança das relações comerciais foram consideradas medidas imperativas para o desenvolvimento econômico e social da capitania do Pará, assim como para as capitanias vizinhas, que deveriam seguir o Progresso a partir das transações comerciais[13].
O recorte de um lugar para a Razão, o lugar das instituições políticas e de seus integrantes, serviu como lastro para o estabelecimento de uma mudança estrutural no ambiente público[14], pois era interesse dos dirigentes se cercarem dos “sábios políticos que sabem calcular os verdadeiros interesses das nações” [15]. Tais atributos deveriam ter destacada importância em uma conjuntura tensa nas relações luso-espanholas, que formavam comissões oficiais mistas para a demarcação da fronteira oficial entre seus domínios, que se arrastou até meados dos setecentos. A presença de naturalistas, geógrafos, astrônomos, engenheiros, cartógrafos, médicos, botânicos, dentre outros, indicavam claramente que à prática política das comissões se colocava o saber múltiplo como forma de representar o trabalho dos dois Estados a partir do referencial das “luzes”.
Ao mesmo tempo, a necessidade de melhor conhecer essa região limítrofe impunha à Coroa portuguesa o financiamento de expedições científicas de grande porte, como foi a expedição filosófica de História Natural chefiada por Alexandre Rodrigues Ferreira, iniciada em dezembro de 1783, tendo as despesas das canoas, da equipação delas e das vitualhas pagas pela Fazenda Real[16]. Mesma providência mandou tomar o governador D. Francisco de Souza Coutinho, em 1790, ao enviar o engenheiro e astrônomo José Simões de Carvalho para observar e cartografar os rios Xié e Uapés, afluentes do rio Negro, para se pensar racionalmente um sistema de comunicações mais eficaz com o Japurá, o Tiquié e o Purureparaná, todos situados ao longo da fronteira com as possessões espanholas. A mesma atribuição recebeu Eusébio Antonio de Ribeiros, engenheiro enviado para descrever minuciosamente o rio Cauaboris e suas possibilidades de navegação para o Solimões, na altura da vila de Tefé, na capitania subordinada do Rio Negro[17].
Dessa forma, a conjuntura política de praticamente toda a segunda metade do século XVIII foi marcada pelas iniciativas políticas em relação ao território e, simultaneamente, pela fundação, ampla e gradativa, de uma Civilização inspirada nos princípios europeus e ilustrados. A principal demarcação empreendida, entretanto, foi a de um território, institucional, social e racial, pois os integrantes desses círculos políticos que começavam a emergir na Amazônia possuíam vínculos diretos com o Estado, com os grupos letrados e proprietários e brancos, ou seja, as camadas políticas dirigentes, ligadas pelos vínculos de propriedade e poder. Constituía-se a “sociedade política” como conceito que procurava ordenar logicamente a sociedade, naturalizando as diferenças e hierarquizando os grupos que a compunham. Mas, e os outros habitantes? Os que não tiveram a sorte de terem nascidos com cabedais e brancos?

Além das fronteiras: sociedades e políticas à contrapelo.
O naturalista francês Charles-Marie de La Condamine, em sua passagem pela Amazônia entre 1735 e 1745, teceu algumas considerações sobre a capitania do Grão-Pará, num esforço emblemático de compreender o espaço e o ambiente humano amazônico dentro do quadro de pensamento racionalista da Ilustração européia. Para o cientista europeu,

(...) Como os indígenas das missões e os selvagens que gozam de liberdade são no mínimo tão limitados, para não dizer estúpidos, quanto aos outros, não podemos ver sem humilhação o quanto ao homem abandonado à simples natureza, privado de educação e de sociedade, pouco difere do animal[18].


Para além da construção de um território para o pensamento, pois a “educação e a sociedade” seriam os elementos constitutivos de uma Civilização, o naturalista não deixa de representar os que se encontravam fora desse restrito circulo social aqueles chamados “selvagens” indígenas, cujas práticas sociais e políticas, tradições e costumes, seriam nada mais do que mera estupidez, fruto de homens “abandonados à simples natureza”. Poderíamos mesmo compreender os ditos de La Condamine circunscritos a uma posição aprofundada pelo Iluminismo europeu do século XVIII, que poderia ser organizada segundo um Sistema, onde não se poderiam congregar os domínios da Cultura e da Natureza. Sem dúvida, grande parte do ocidente, nesse período, situava o mundo na passagem do primado da natureza para a excelência da cultura[19].
Os tempos que se anunciavam, contudo, traziam consigo também a anunciação do novo, as expectativas de transformação, as utopias de revolução[20]. Os administradores civis e militares da Amazônia (o mundo da Civilização) tiveram que lidar com essa associação perigosa entre Liberdade-Revolução que começava a se espraiar pela América desde os sucessos da independência norte-americana de 1776, mas que passou a representar grande apreensão a partir dos violentos processos revolucionários das ilhas de São Domingos e Martinica de 1792, da Revolução Jacobina na França de 1794. A possibilidade anunciada da revolução nas Américas inglesa e espanhola não somente estendeu sentidos de Liberdade para outros pontos mais próximos dos domínios lusitanos, como trouxeram à baila a formação de uma opinião pública de tipo moderno[21], que não poderia se restringir aos grupos letrados e seus espaços, fruto da intensa participação popular na desagregação da ordem colonial-absolutista em grande parte do continente ultramarino[22].
Portanto, é possível criar um espaço de investigação onde a primazia da ação política não se situe somente entre os grupos ligados da esfera institucional das relações de poder da capitania. Partir da premissa de que as camadas iletradas fizeram parte integrante da rede de informações acerca da crise das relações coloniais representa, sobretudo, a possibilidade de reconstituir as experiências individuais e coletivas, mesmo que de forma indiciária, tecidas nos lugares não-institucionais mais diversos, dotando de racionalidade política as atitudes populares frente aos problemas que se apresentavam naqueles difíceis tempos em que o mundo parecia virar de ponta-cabeça [23].
A opinião pública, portanto, situada unicamente nos meios institucionais da política e do poder, precisa ser reconsiderada a partir dessas circunstâncias diversas que possibilitavam que as notícias, papéis e impressos chegassem a espaços variados e a amplas parcelas da sociedade que, de alguma forma, tomavam conhecimento dos projetos, idéias e práticas de revolução em outras partes do mundo, e que, num segundo momento, permitia uma tomada de consciência da necessidade de outro ordenamento político e social para a Amazônia. Nessa mudança de perspectiva diante do mundo político reside um dos elementos mais fundamentais da revolução moderna, principalmente por que a questão social ganha corpo e significados distintos do passado, em que a população, sobretudo, aquela parcela marginal, passa a duvidar que as diferenças sociais eram dispostas de forma natural e que a pobreza era um elemento inerente à condição humana[24]. Isso implica na importância que os espaços ocupados pelos grupos pobres, iletrados e “de cor” possuem para o consumo e a difusão do ideário da revolução na Amazônia, visto que a tradição oral representava um dos veículos mais eficientes, no âmbito popular, de informação.
O alvorecer da Liberdade, com seus variados sentidos[25], parecia ter o seu nascedouro nas fronteiras, notadamente com os domínios espanhóis, onde, como vimos na primeira parte deste texto, os indígenas pareciam acenar com possibilidades de alianças com os castelhanos fugitivos do outro lado da baliza limítrofe da Amazônia portuguesa. A documentação referente ao fim do século XVIII e início do século XIX está recheada de indícios relativos à existência de relações interétnicas em diversos espaços localizados nas fronteiras, onde pretos, índios, mestiços e brancos pobres construíam lógicas variadas, muitas vezes colocadas na tênue e, por vezes, invisível linha existente entre o conflito e a solidariedade; enfim, entre a polissemia da “liberdade” e da “escravidão”.
Os espaços privilegiados de fabricação dessas experiências de autonomia estavam localizados nos rios em seus pequenos afluentes, nas povoações e vilarejos, nos fortins e fortalezas, nos matos e morros, e, mais comumente, nos mocambos[26]. O cotidiano nesses lugares fora composto por vínculos diversos que existiam entre as populações que há muito integravam as fronteiras da Amazônia portuguesa com a Amazônia espanhola. Todavia, não era pouco complicado desconectar essas realidades, visto que se ligavam primeiramente pelas formas de sobrevivência que possuíam em comum.
Nas alturas dos rios Negro e Branco, nas proximidades da povoação de Loreto, nas cercanias do forte de Tabatinga, se desenvolveu, entre 1796 e 1810, por iniciativa do então governador da província espanhola de Maynas, Francisco de Requeña, uma economia baseada na criação e comercialização de carne de gado vacum, realizada, sobretudo, pelos índios que habitavam as vilas de La Laguna e Jeberos[27]. A produção de “carnes verdes” logo conheceu a decadência devido às lutas de independência no vice-reinado do Peru, quando os trabalhadores indígenas passaram a consumir e comercializar o gado para o lado português sem a autorização da governadoria de Maynas, mas as práticas econômicas milenares, baseadas no trabalho de extração dos gêneros da floresta, faziam com que índios das etnias Pano, Aguano, Cocamilla e Cocama, do lado espanhol (do Peru e, até mesmo, do atual estado da Venezuela), e os índios Wekerena, Baré, Baniwa, Tariana, Tukano, dentre outros, que configuravam a maioria dos habitantes do Rio Xié, mantivessem vínculos econômicos muito fortes, cujos pilares se centravam na exploração da piaçava, da salsaparrilha e do cipó[28].
Na dinâmica cotidiana dessas populações, as fronteiras físicas que demarcavam os territórios das Américas portuguesa e espanhola passavam a ter outros significados, pois a necessidade de manter esses laços fazia com que se tornasse indiferente a existência da linha demarcatória oficial. As fronteiras construídas por esses indígenas passavam a ser fincadas em outras lógicas, como as da identidade étnica, formuladas a partir das próprias experiências do dia-a-dia desses povos.
Portanto, promover essa diferença entre os habitantes das fronteiras do Pará e os que viviam nos territórios espanhóis e “brasileiros”, nos tempos de expansão do ideário revolucionário, requeria quebrar noções de identidade firmemente fabricadas à margem da ordem pelos que acreditavam encontrar sentidos alternativos aos que estavam submetidos como vassalos do Rei de Portugal ou da Espanha. Essa dinâmica que os contatos entre marginais e fugitivos de pontos diferentes das linhas que demarcavam a província adquiriam, portanto, se constituía na substância da própria desordem, visto que relações sociais forjadas entre mocambeiros, desertores, pequenos comerciantes, soldados, lavradores e etc. poderia ser um trampolim para que outros tipos de comunicação, especialmente no plano dos projetos políticos, se estabelecessem.
Por isso, fazia-se fundamental, na visão das autoridades do Pará, apertar o cerco sobre a fronteira e, com efeito, reduzir as possibilidades de se estabelecer um espaço público “popular” por onde girassem as informações sediciosas vindas de fora da província. Essa comunicação construída à sombra do controle exercido pelo poder político institucionalizado dava uma tônica particular ao contexto de avanço das utopias revolucionárias na Amazônia. Em meio a essas “fronteiras invisíveis”, negros fugidos, colonos pobres, índios, regatões[29], lavradores e soldados desertores dos domínios espanhol, entravam na capitania e estabeleciam fluxos praticamente constantes de idéias na fronteira, levando e trazendo informações sobre os acontecimentos políticos. Estabelecia-se, assim, uma rede de comunicação original que possuía uma dinâmica própria, cujo campo de ação era de difícil sujeição por parte das autoridades civis e militares do Grão-Pará.
Ao largo do território construído pelas camadas dirigentes da capitania do Grão-Pará, com suas noções de Civilização e Cultura, os habitantes indígenas, mestiços e negros das localidades próximas ao território espanhol foram construindo suas próprias identidades coletivas, cujas bases não estavam de todo desconectadas das noções eruditas do mundo letrado, mas que, por outro lado, fundavam inventivamente suas tradições sociais e organizações políticas e de trabalho. À contrapelo dos conceitos instituídos, essa população “de cor” fincou as bases para a desterritorialização do pensamento, desnaturalizando-o socialmente e ampliando horizontalmente as práticas políticas, demonstrando a pluralidade de culturas políticas existentes na Amazônia durante o século XVIII. O avanço da utopia da Liberdade, no entanto, foi em muito ofuscada pelos rótulos de “ignorância” e “selvageria” com que as autoridades procuravam definir as margens, em uma tentativa constante de situá-la fora do ambiente da Cultura e aprisionando-a unicamente no domínio da Natureza.



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[1] Mestre em História Social do Norte e Nordeste pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).
[2] Ofício do Governador do Rio Negro, Coronel Manuel da Gama Lobo de Almada para o Secretário de Estado da Marinha e Ultramar, Martinho de Mello e Castro, datado em 13/01/1793. AHU_ACL_CU_020 – Cx. 17, D. 629 (Projeto Resgate de Documentação Histórica Barão do Rio Branco. Documentos avulsos da Capitania do Rio Negro, doravante PRDH - RN).
[3] Ofício do Sargento Mor e Segundo Comissário ao Governador do Rio Negro, datado em 23/07/1792. AHU_ACL_CU_020 – Cx. 17, D. 629 (Projeto Resgate de Documentação Histórica Barão do Rio Branco. Documentos avulsos da Capitania do Rio Negro). Em 4 de Janeiro de 1793, Lobo de Almada foi novamente informado sobre suposto deslocamentos de tropas no lado espanhol e decide reforçar a fronteira portuguesa enviando 30 arrobas de Pólvora para o forte de Tabatinga. Cf. AHU_ACL_CU_020 – Cx. 17, D. 630. PRDH – RN.
[4] Ofício do Governador do Rio Negro, Manuel da Gama Lobo de Almada, para o Ministro da Marinha, Martinho de Mello e Castro, datada em 10/01/1792. AHU_ACL_CU 020, Cx. 16, D. 620. PRDH – RN.
[5] Resposta do Governador do Rio Negro, Manuel da Gama Lobo de Almada, para o Comissário Espanhol Francisco de Requeña, datada em 16/12/1791. AHU_ACL_CU 020, Cx. 16, D. 620. PRDH – RN. O comissário Francisco de Requeña tinha acusado o governo do Rio Negro de estar sendo negligente à fuga de 4 índios e um escravo negro que, segundo ele, estariam trabalhando no cultivo da salsa na região do rio Cupacá, nas povoações de Nogueira e Coari. Cf. Carta do Primeiro Comissário Espanhol para o Governador do Rio Negro, datada em 11/10/1791. AHU_ACL_CU 020, Cx. 16, D. 620. PRDH – RN.
[6] Ofício do Sargento Mor Segundo Comissário ao Governador do Rio Negro, datado em 23/07/1792. AHU_ACL_CU_020, Cx. 17, D. 629. PRDH-RN.
[7] Para se compreender as práticas de representação pelas quais os grupos procuram construir sentidos do social e de suas divisões internas, ver Roger Chartier. A história cultural: entre práticas e representações. Lisboa : Difel, 1990.
[8] A idéia de “crise” se estabelece aqui a partir das relações coloniais que passam a se desagregar a partir da primeira metade do século XVIII, o que influi nas reformas ilustradas, principalmente na política econômica, empreendidas pelo Marquês de Pombal durante o reinado de D. José I. Francisco José Calazans Falcon. A época pombalina – política econômica e monarquia ilustrada. São Paulo : Ática, 1983, PP. 86-7. Para uma análise da relação entre o conceito de “crise” e a Ilustração européia, ver Reinhart Koselleck. Crítica e crise: uma contribuição à patogênese do mundo burguês. Rio de Janeiro : Ed. UERJ; Contraponto, 1999.
[9] Lucia Maria Bastos Pereira das Neves e Tânia Maria Tavares B. da C. Ferreira. “Portugal, França e Brasil: representações imaginadas (1808-1914)”. In: Lená Medeiros de Menezes, Denise Rollemberg e Oswaldo Munteal Filho (orgs.). Olhares sobre o político: novos ângulos, novas perspectivas. Rio de Janeiro : Ed. UERJ, 2002, pp. 27-46. Oswaldo Munteal Filho. “Despotismo e cultura científica no mundo de Queluz”. In: Lená Medeiros de Menezes, Denise Rollemberg e Oswaldo Munteal Filho (orgs.). Olhares sobre o político: novos ângulos, novas perspectivas. Rio de Janeiro : Ed. UERJ, 2002, pp. 89-122. Lilia Moritz Schwarcz. A longa viagem da biblioteca dos reis: do terremoto de Lisboa à Independência do Brasil. São Paulo : Companhia das Letras, 2002.
[10] Munteal Filho, op. cit. p. 102.
[11] Cf. Kenneth Maxwell. “A geração de 1790 e a idéia do império luso-brasileiro”. In: Chocolate, piratas e outros malandros: ensaios tropicais. São Paulo : Paz e Terra, 1999 pp. 181-4; Lúcia Maria Bastos Pereira das Neves. “O teatro: as origens da cultura política luso-brasileira e seus veículos de divulgação”. In: Corcundas e Constitucionais: a cultura política da independência (1820-1822). Rio de Janeiro : Revan/FAPERJ, 2003, pp. 30-32; Munteal Filho, op. cit. p. 102-3.
[12] Palavras de D. Rodrigo de Souza Coutinho ao Príncipe-Regente D. João sobre o projeto de reformulação da administração colonial. Apud Maxwell, op. cit. p. 187.
[13] Essa política resultou no aumento significativo do saldo final da balança comercial que, em 1800, somava 628:494$650 para as exportações e 418:379$989 para as importações. Cf. REIS, Arthur Cezar Ferreira Reis. “O Grão-Pará e o Maranhão”. In: Sérgio Buarque de Hollanda (org.). História Geral da Civilização Brasileira: o Brasil Monárquico. Vol. II, São Paulo : Difusão Européia do Livro, 1964, p. 71.
[14] Cf. Jürgen Habermas. Mudança estrutural da Esfera Pública: investigações quanto a uma categoria da sociedade burguesa. 2a edição, Rio de Janeiro : Tempo Brasileiro, 2003, pp. 9-11.
[15] D Rodrigo de Souza Coutinho. Apud Maxwell op. cit. p. 183.
[16] Cf. Antônio Ladislau Monteiro Baena. Compêndio das eras da província do Pará. Belém : Universidade Federal do Pará, 1969, p. 204.
[17] Idem, ibidem, p. 225.
[18] Charles-Marie de La Condamine. Viagem pelo Amazonas, 1735-1745. Rio de Janeiro : Nova Fronteira; São Paulo : EDUSP, 1992, p. 23; 55. Para uma boa contextualização da obra de La Condamine na realidade da primeira metade do século XVIII, ver Mauro Cezar Coelho. “As viagens filosóficas de Charles-Marie de La Condamine e Alexandre Rodrigues Ferreira – ensaio comparativo”. In: Flávio dos Santos Gomes (org.). Nas Terras do Cabo Norte: fronteiras, colonização e escravidão na Guiana Brasileira (séculos XVIII-XIX). Belém : Editora Universitária/UFPA, 1999, p. 97-127.
[19] Cornelius Castoriadis. “O imaginário: a criação no domínio social-histórico”. In: As encruzilhadas do labirinto: os domínios do homem/2. Rio de Janeiro, Paz e Terra, p. 235.
[20] Hannah Arendt. Da Revolução. 2ª edição, São Paulo : Ática; Brasília : Editora da Universidade de Brasília, 1990.
[21] Reflexões pertinentes sobre o conceito de opinião pública podem ser encontradas em Jean-Noël Jeanneney. “Comment ont-ils tenu? L’opinion et la Grande Guerre”. In: L’Histoire, no 39, novembro de 1981; Jacques Ozouf. “A Opinião Pública: apologia das sondagens”. In: Jacques Le Goff e Pierre Nora. História: novos objetos. 4a edição, Rio de Janeiro : Francisco Alves, 1995, p. 186-7; Jean-Jacques Becker. “A opinião pública”. In: René Rémond. Por uma história política. 2a edição, Rio de Janeiro : Editora FGV, 2003, pp. 185-211.
[22] Cf. István Jancsó. “A sedução da liberdade: cotidiano e contestação política no final do século XVIII”. In: Fernando A. Novais e Laura de Mello e Souza. História da Vida Privada no Brasil: cotidiano e vida privada na América portuguesa. Volume 1, São Paulo : Companhia das Letras, 1997, pp. 387-437; Luciano Raposo de Almeida Figueiredo. “Quando os motins se tornam inconfidências: práticas políticas e idéias ilustradas na América portuguesa”. In: Lená Medeiros de Menezes, Denise Rollemberg e Oswaldo Munteal Filho (orgs.). Olhares sobre o político: novos ângulos, novas perspectivas. Rio de Janeiro : Ed. UERJ, 2002, pp.135-145; João Pinto Furtado. “Das múltiplas utilidades das revoltas: movimentos sediciosos do último quartel do século XVIII e sua apropriação no processo de construção da nação”. In: Jurandir Malerba (org.). A independência brasileira: novas dimensões. Rio de Janeiro : Editora FGV, 2006, pp. 99-121.
[23] Nesse sentido, ver o instigante texto de Pierre Rosanvallon, para quem as atitudes individuais e coletivas face aos “problemas” a serem resolvidos por sujeitos colocados em pontos diversos da hierarquia social são partes de uma reflexão que busca situar o lugar do “político” também fora do âmbito institucionalizado das relações de poder, o que cria um espaço para pensarmos os “nós históricos” construídos nos interstícios variados da sociedade. Pierre Rosanvallon. “Por uma história conceitual do político (nota de estudo)”. In: História. Vol. 15, São Paulo : Unesp, 1996, pp. 27-39.
[24] As reflexões de Hannah Arendt, nesse sentido, são pertinentes, pois indicam que num dado momento histórico, não anterior às revoluções do século XVIII, as expectativas de mundo dos mais pobres sofrem mudanças sensíveis, tendentes a uma relativa secularização das relações sociais e políticas e, conseqüentemente, a sua desnaturalização. Hannah Arendt, op. cit. p. 17-23.
[25] As reflexões de Reinhart Koselleck e John Pocock sobre a subjetividade que permeia os sentidos variados que caracterizam os conceitos políticos, servindo como um método para enriquecer análises que tratam das divisões entre projetos políticos foram fundamentais para que configurássemos essa questão para o estudo da formação da nacionalidade brasileira a partir de diferentes lugares sociais. John Pocock. Linguagens do ideário político. São Paulo : EDUSP, 2003; Reinhart Koselleck. Futuro Passado: contribuição à semântica dos tempos históricos. Rio de Janeiro : Contraponto/Ed. PUC-Rio, 2006.
[26] As noções de “mocambo” e “quilombo” não têm, ao que parece, uma diferença básica e visível, a não ser a nomeação dada ao espaço constituído de fugitivos da ordem colonial escravista e militarista pelos administradores da Amazônia colonial e imperial. Trataremos como “mocambo”, portanto, todos os ajuntamentos desses fugitivos, principalmente escravos, que se reuniam ao longo do território para tecer suas relações de autonomia.
[27] Um trabalho bem interessante sobre a demografia da região de Maynas à época da independência do Peru nos subsídios para visualizarmos as diversas etnias indígenas e mestiças que viviam e produziam próximo às fronteiras com o Rio Negro, principalmente nas cercanias do forte português de Tabatinga, o maior da região. Assim, a partir do estudo de Jose Barletti, podemos compreender que tipo de atividades se desenvoviam nesse amplo espaço de fronteiras desde a segunda metade do século XVIII até a década de 1810. Cf. Jose Barletti. La poblacion de Maynas em tempos de la independência: analysis de Lagunas e Jeberos. Documento técnico no 9, Instituto de Investigaciones de la Amazonía Peruana – IIAP : Iquitos, 1994, p. 14-5.
[28] Embora as práticas extrativistas da piaçava e do cipó tenham caracterizado as relações existentes entre os índios Wekerena e Baré com os “brancos” e com outras etnias indígenas no período colonial, é curiosos notar que, em grande parte, essas economias se mantiveram firmes até o fim do século XX. Cf. Márcio Meira. “História, economia e sociedade: os índios do rio Xié e a extração da piaçava”. In: Anais do Arquivo Público do Pará. Belém : Secretaria de Estado da Cultura / Arquivo Público do Estado do Pará, 1995, pp. 222- 240.
[29] “Regatão” era denominação comum para os pequenos comerciantes itinerantes que negociavam gêneros e víveres de primeira necessidade em suas embarcações pelos rios da Amazônia. Essa comercialização se dava comumente sem o uso de moeda corrente, sendo o “regateio”, ou seja, a negociação direta, uma prática usual que se concretizava a partir da troca.